Nosso blog, hoje, abre espaço para a colaboração do excelente educador em artes marciais, Jerônimo Marana. Jerônimo é educador físico pela Unicamp e possui formação em diversas artes marciais, especialmente o Hapkido, o Shaolin do Norte e o Yiquan. Mantém um dos mais interessantes blogs sobre o tema na Internet brasileira, que inclui um canal no Youtube. Ele também é colaborador do portal Wuxia, site especializado em artes marciais chinesas. É professor na Academia Trajano Center, em Valinhos-SP. Nós, do projeto "Caminhos Marciais, Humanidades e Educação Integral", temos muito orgulho de recebê-lo por aqui e de tê-lo como interlocutor. Convidamos todos a conhecer melhor as ideias deste professor, que quebra paradigmas engessados e propõe um olhar atual e sério sobre as artes marciais tradicionais, explorando a sua enorme riqueza para o desenvolvimento humano.
Vamos ao texto!
O que fazer quando um aluno questiona uma técnica?
Por Jerônimo Marana
Existe
uma situação muito frequente nas aulas de artes marciais, que acontece quando o
aluno questiona uma técnica. Eu já presenciei diversas situações como essa e
embora seja muito simples de lidar, infelizmente muitos
professores fazem isso da maneira errada.
Erros que os professores cometem quando o aluno questiona uma técnica
Muitas
vezes, ao aprender uma técnica, o aluno pergunta: "mas professor e se o
cara fizer isso?". Então ele faz alguma coisa que impede o professor ou
companheiro de aplicar a técnica. Não há professor que não passe por isso ou
que não tenha passado e se não passou, ainda vai passar. Então o
professor, sabendo de antemão o movimento do aluno, recorre a uma
maneira arcaica de calar o aluno. A tática é assim que o aluno impedir a aplicação
do golpe, dar uma pancadinha em algum lugar para distrai-lo. Então, o
professor aplica a técnica com força para subjugar o aluno, dizendo que o
agressor nunca sabe o que você vai fazer, pois a técnica é elemento surpresa.
Acontece
que o aluno está em desvantagem, pois o professor já sabe o movimento do aluno,
que por sua vez não sabe qual vai ser o movimento do professor. Existem
"professores" que orientam os seus subordinados, seus instrutores,
a recorrer a essa prática quando o aluno questiona uma técnica. Eles dizem
que é preciso fazer a técnica funcionar, não importa como, porque o
professor não pode deixar dúvida para o aluno.
Outro
erro é dizer o que ou quanto o aluno é ou não capaz de aprender. Há mais
ou menos um ano atrás, eu assisti um vídeo que me deu a ideia de falar sobre
esse assunto. O professor ensinava uma técnica muito simples. Em um momento ele
disse que muitos alunos fazem aquela mesma pergunta do início do artigo. Então
ele disse que ensinaria apenas uma técnica, porque senão seria muita coisa
e o público não iria conseguir aprender. Isso ilustra bem alguns erros cometidos frequentemente por muitos professores.
Dois paradigmas que precisam ser quebrados
Existe
nisso um paradigma que precisa ser quebrado, que é achar que é preciso
dominar uma técnica antes de aprender outra. Eu já desmenti essa crença em um dos
primeiros vídeos do meu canal, que você pode assistir abaixo. Nele eu explico que é muito mais fácil dominar uma técnica se você aprender outras.
O
segundo é achar que um aluno não é capaz de aprender alguma
coisa, pelo motivo que for. Professores dizem que os alunos devem aprender
apenas uma técnica por vez, caso contrário, é muita coisa de uma vez só. É
muita informação e por isso o aluno não vai conseguir assimilar. Ou então
porque a técnica em questão é mais simples e o que o aluno quer aprender é mais
difícil. Eu tenho que ser crítico nesse aspecto e perguntar qual é a base para
dizer o quanto ou o que alguém é ou não é capaz de aprender. Só diz isso quem
não entende o processo de aprendizado. Se alguém não consegue aprender, é
porque alguém não é capaz de ensinar.
O que pode acontecer quando o aluno questiona uma técnica
Quando
o professor diz que o aluno não vai conseguir aprender, duas coisas podem
acontecer. A primeira é perder sua confiança, o que é justo, pois é ruim
para o próprio professor. A segunda é levá-lo a criar uma autoimagem de alguém
dependente do professor, que nunca conseguirá ultrapassá-lo e nem mesmo
igualar-se a ele. O próprio aluno passa a duvidar da sua capacidade e aceitar
que outra pessoa defina o que ele/ela é ou não capaz de fazer.
É
preciso entender que o que é difícil para um nem sempre é difícil para
outro. As pessoas tem dificuldades e facilidades diferentes por causa da
sua história de vida e das suas experiências motoras. O caminho que o professor
percorreu não é igual ao de nenhum aluno, cada um tem as suas particularidades.
Ninguém começa na arte marcial ou em qualquer outra atividade com as mesmas
habilidades. É preciso explorar as potencialidades e habilidades de cada um
para ensinar a partir daquilo que lhes é mais fácil. E o que é mais fácil para
o aluno nem sempre é aquilo que o professor considera mais fácil. Da mesma
forma o que é mais fácil para um aluno, nem sempre é mais fácil para outro.
O que fazer quando o aluno questiona uma técnica
O
terceiro erro é não levar em consideração as ideias do aluno, pois elas
podem ter um valor imenso. Quando o aluno questiona uma técnica é importante
demonstrar e convidar a experimentar. O que o aluno pergunta tem significado
para ele e por isso pode ser mais fácil ensinar a partir daquilo. Nós
professores precisamos estar preparados para redirecionar a aula e ensinar a partir
daquilo que os alunos trazem. Muitas vezes isso pode ser necessário e às
vezes funciona melhor do que o que foi planejado, afinal nem sempre o que
planejamos dá certo ou é o melhor caminho. É preciso ter sensibilidade para
mudar de acordo com o que o momento exige.
Se
não for possível trabalhar com a questão naquele momento, é
preciso primeiro demonstrar interesse por ela. É preciso comentar a
respeito e demonstrar algum exemplo. Só depois se deve dizer que
naquele momento aquela questão não será aprofundada porque será feita outra
coisa. Então, assim que possível ela deverá ser trazida de volta. Se não
for possível naquela aula, é preciso planejar para abordá-la em outra. Se
não tiver uma resposta imediatamente, é preciso dizer que vai pensar e
tentar responder em outro momento. Ou, melhor ainda, convidar os alunos para
tentar descobrir uma resposta juntos.
Quando
o aluno questiona uma técnica é muito fácil lidar com a situação, se
houver conhecimento e boa didática. O que não se deve fazer em hipótese alguma
é fazer o aluno se sentir ignorado. O aluno deve sentir que as suas
ideias tem importância, mesmo que não funcionem. É preciso colocá-las para
serem estudadas, mesmo quando sabemos que não dá certo. Essa é a melhor forma
de ensinar. Mas infelizmente o professor comum dirá que aquilo é difícil
para o aluno ou que é muita informação de uma vez.
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