domingo, 6 de agosto de 2017

O que fazer quando um aluno questiona uma técnica?


Nosso blog, hoje, abre espaço para a colaboração do excelente educador em artes marciais, Jerônimo Marana. Jerônimo é educador físico pela Unicamp e possui formação em diversas artes marciais, especialmente o Hapkido, o Shaolin do Norte e o Yiquan. Mantém um dos mais interessantes blogs sobre o tema na Internet brasileira, que inclui um canal no Youtube. Ele também é colaborador do portal Wuxia, site especializado em artes marciais chinesas. É professor na Academia Trajano Center, em Valinhos-SP. Nós, do projeto "Caminhos Marciais, Humanidades e Educação Integral", temos muito orgulho de recebê-lo por aqui e de tê-lo como interlocutor. Convidamos todos a conhecer melhor as ideias deste professor, que quebra paradigmas engessados e propõe um olhar atual e sério sobre as artes marciais tradicionais, explorando a sua enorme riqueza para o desenvolvimento humano.
Vamos ao texto!

O que fazer quando um aluno questiona uma técnica?

Por Jerônimo Marana

Existe uma situação muito frequente nas aulas de artes marciais, que acontece quando o aluno questiona uma técnica. Eu já presenciei diversas situações como essa e embora seja muito simples de lidar, infelizmente muitos professores fazem isso da maneira errada.


Erros que os professores cometem quando o aluno questiona uma técnica

Muitas vezes, ao aprender uma técnica, o aluno pergunta: "mas professor e se o cara fizer isso?". Então ele faz alguma coisa que impede o professor ou companheiro de aplicar a técnica. Não há professor que não passe por isso ou que não tenha passado e se não passou, ainda vai passar. Então o professor, sabendo de antemão o movimento do aluno, recorre a uma maneira arcaica de calar o aluno. A tática é assim que o aluno impedir a aplicação do golpe, dar uma pancadinha em algum lugar para distrai-lo. Então, o professor aplica a técnica com força para subjugar o aluno, dizendo que o agressor nunca sabe o que você vai fazer, pois a técnica é elemento surpresa.
Acontece que o aluno está em desvantagem, pois o professor já sabe o movimento do aluno, que por sua vez não sabe qual vai ser o movimento do professor. Existem "professores" que orientam os seus subordinados, seus instrutores, a recorrer a essa prática quando o aluno questiona uma técnica. Eles dizem que é preciso fazer a técnica funcionar, não importa como, porque o professor não pode deixar dúvida para o aluno.
Outro erro é dizer o que ou quanto o aluno é ou não capaz de aprender. Há mais ou menos um ano atrás, eu assisti um vídeo que me deu a ideia de falar sobre esse assunto. O professor ensinava uma técnica muito simples. Em um momento ele disse que muitos alunos fazem aquela mesma pergunta do início do artigo. Então ele disse que ensinaria apenas uma técnica, porque senão seria muita coisa e o público não iria conseguir aprender. Isso ilustra bem alguns erros cometidos frequentemente por muitos professores.

Dois paradigmas que precisam ser quebrados

Existe nisso um paradigma que precisa ser quebrado, que é achar que é preciso dominar uma técnica antes de aprender outra. Eu já desmenti essa crença em um dos primeiros vídeos do meu canal, que você pode assistir abaixo. Nele eu explico que é muito mais fácil dominar uma técnica se você aprender outras.

O segundo é achar que um aluno não é capaz de aprender alguma coisa, pelo motivo que for. Professores dizem que os alunos devem aprender apenas uma técnica por vez, caso contrário, é muita coisa de uma vez só. É muita informação e por isso o aluno não vai conseguir assimilar. Ou então porque a técnica em questão é mais simples e o que o aluno quer aprender é mais difícil. Eu tenho que ser crítico nesse aspecto e perguntar qual é a base para dizer o quanto ou o que alguém é ou não é capaz de aprender. Só diz isso quem não entende o processo de aprendizado. Se alguém não consegue aprender, é porque alguém não é capaz de ensinar.

O que pode acontecer quando o aluno questiona uma técnica

Quando o professor diz que o aluno não vai conseguir aprender, duas coisas podem acontecer. A primeira é perder sua confiança, o que é justo, pois é ruim para o próprio professor. A segunda é levá-lo a criar uma autoimagem de alguém dependente do professor, que nunca conseguirá ultrapassá-lo e nem mesmo igualar-se a ele. O próprio aluno passa a duvidar da sua capacidade e aceitar que outra pessoa defina o que ele/ela é ou não capaz de fazer.
É preciso entender que o que é difícil para um nem sempre é difícil para outro. As pessoas tem dificuldades e facilidades diferentes por causa da sua história de vida e das suas experiências motoras. O caminho que o professor percorreu não é igual ao de nenhum aluno, cada um tem as suas particularidades. Ninguém começa na arte marcial ou em qualquer outra atividade com as mesmas habilidades. É preciso explorar as potencialidades e habilidades de cada um para ensinar a partir daquilo que lhes é mais fácil. E o que é mais fácil para o aluno nem sempre é aquilo que o professor considera mais fácil. Da mesma forma o que é mais fácil para um aluno, nem sempre é mais fácil para outro.

O que fazer quando o aluno questiona uma técnica

O terceiro erro é não levar em consideração as ideias do aluno, pois elas podem ter um valor imenso. Quando o aluno questiona uma técnica é importante demonstrar e convidar a experimentar. O que o aluno pergunta tem significado para ele e por isso pode ser mais fácil ensinar a partir daquilo. Nós professores precisamos estar preparados para redirecionar a aula e ensinar a partir daquilo que os alunos trazem. Muitas vezes isso pode ser necessário e às vezes funciona melhor do que o que foi planejado, afinal nem sempre o que planejamos dá certo ou é o melhor caminho. É preciso ter sensibilidade para mudar de acordo com o que o momento exige.


Se não for possível trabalhar com a questão naquele momento, é preciso primeiro demonstrar interesse por ela. É preciso comentar a respeito e demonstrar algum exemplo. Só depois se deve dizer que naquele momento aquela questão não será aprofundada porque será feita outra coisa. Então, assim que possível ela deverá ser trazida de volta. Se não for possível naquela aula, é preciso planejar para abordá-la em outra. Se não tiver uma resposta imediatamente, é preciso dizer que vai pensar e tentar responder em outro momento. Ou, melhor ainda, convidar os alunos para tentar descobrir uma resposta juntos.
Quando o aluno questiona uma técnica é muito fácil lidar com a situação, se houver conhecimento e boa didática. O que não se deve fazer em hipótese alguma é fazer o aluno se sentir ignorado. O aluno deve sentir que as suas ideias tem importância, mesmo que não funcionem. É preciso colocá-las para serem estudadas, mesmo quando sabemos que não dá certo. Essa é a melhor forma de ensinar. Mas infelizmente o professor comum dirá que aquilo é difícil para o aluno ou que é muita informação de uma vez.

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