terça-feira, 13 de março de 2018

O Que é Tantui? (Parte 4: A Versão da FMKK)

Introdução:

Volto a falar do Tantui após uma breve pausa para refletir em geral sobre as relações entre as artes marciais chinesas e o tema da guerra. Nesta parte da série, pretendo apresentar a versão de Shier Lu Tantui (十二路弹腿) da Federação Mineira de Kung Fu Kuoshu (FMKK), que é a versão que eu estudo e a que acabo de começar a ensinar para os alunos do projeto "Kung Fu: interfaces entre prática de arte marcial e ensino e aprendizagem em Humanidades (Ano III)", desenvolvido em Tupaciguara-MG, na Escola Estadual Sebastião Dias Ferraz.

Recapitulando, na primeira parte da série, abordamos a respeito das origens da forma, suas relações com o chamado Jiaomen (教门) dos Hui (回) e como ela foi incorporada a programas mais modernizados de aprendizagem de artes marciais desde o início do século XX, por meio, principalmente, da Associação Atlética Jingwu (精武体育会). Na segunda e na terceira partes, o foco foi metodológico, quando abordamos cinco operações que acompanham o estudo da forma, segundo a minha concepção e percepção: memória, análise, síntese (temas da segunda parte), experimentação e aplicação (temas da terceira parte). Agora, apresentar a versão da FMKK é importante, pois as suas especificidades não são generalizáveis e a compreensão que tenho da forma se articula a um conjunto maior do qual ela se tornou parte.

A FMKK e o seu Sistema Básico:

O Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu não é um estilo de "Kung Fu", nem uma arte marcial "inventada", fora do contexto chinês. Também não é um sistema de defesa pessoal, tampouco um programa de mixed martial arts, muito menos um apanhado de formas de Wushu moderno, voltadas a competições de Taolu. Ele é um programa didático de iniciação geral às artes marciais chinesas em desenvolvimento desde aproximadamente a década de 1970, em Taiwan.

A Federação Mineira de Kung Fu Kuoshu (FMKK) foi recriada em 2013, na cidade de Uberlândia, retomando um projeto que havia iniciado na década de 1990, mas que se encontrava interrompido, de organizar uma estrutura de intercâmbios regionais entre escolas de artes marciais chinesas. No final dos anos 90, este projeto era liderado pelo Mestre Huang Yu Sheng e a sua academia, a Wushukuan, fechada nos anos 2000. Antes dele, entretanto, entre 1995 e 1998, funcionou, com sede em Belo Horizonte, a "Federação Mineira de Kuoshu Tradicional", presidida pelo professor Urbano Ribeiro Silva. Neste meio tempo, outras organizações foram surgindo e se desenvolvendo no estado, com destaque para a Federação Mineira de Kung Fu Wushu (FMKFW), sediada em Itajubá, ligada a Confederação Brasileira de Kung Fu Wushu (CBKW).

A FMKK não surgiu como rival da Federação Mineira de Kung Fu Wushu. Pelo contrário, enxerga-a como parceira na divulgação das artes marciais chinesas na região. As duas estão presentes no Triângulo Mineiro e, muitas vezes, participam de atividades uma da outra. A FMKK surgiu com uma proposta própria, mais voltada ao resgate de trajetórias do desenvolvimento do Kung Fu na nossa região e, particularmente, comprometida em resgatar o legado da Wushukuan. Desde o fechamento da academia, a dispersão dos seus antigos alunos vinha gerando uma fragmentação na liderança do seu legado técnico. Uma das metas da Federação é, exatamente, assumir esta liderança. Para isso, contou com o apoio do Mestre Sheng, que foi um dos seus membros fundadores.

Em 2015, após estudos, reuniões e consultas, um grupo de professores e instrutores ligados direta ou indiretamente à Wushukuan assumiu a tarefa de padronizar um currículo comum de iniciação ao Kung Fu Kuoshu. Este currículo segue, como base, o que na antiga academia era ensinado como Zhong Wudao (中武道). Em 2016, a padronização do currículo ficou pronta e, para se diferenciar do Zhong Wudao, que tem as suas particularidades, foi nomeada "Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu". Este sistema serve para a iniciação geral ao kung fu e como uma língua franca a partir da qual praticantes de estilos específicos podem dialogar no interior da FMKK. Ele também é a base da qual derivam os programas de iniciação ao kung fu utilizados em projetos educacionais, culturais e sociais, como este mesmo de Tupaciguara.

Em 2017, a FMKK, a fim de articular-se a uma estrutura nacional e internacional, filiou-se ao Instituto Li Wing Kay. Esta escolha se deu em sintonia com a história de desenvolvimento do Zhong Wudao do Mestre Sheng, que incorporou elementos provenientes de intercâmbios com o Mestre Li na década de 1990, dentre os quais a introdução de técnicas de Shuaijiao (摔跤) na sua etapa básica. Há várias outras semelhanças entre o Zhong Wudao do Mestre Sheng e o Garra de Águia de Mestre Li, inclusive relacionadas à padronização do Tantui. Isso sem falar na forma Zhongyiquan (忠義拳), típica do movimento do Kuoshu em Taiwan, presente no Garra de Águia do Mestre Li e que era uma forma "extra" do Zhong Wudao. Ela, atualmente, compõe o currículo obrigatório do Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu.

Zhong Wudao e Sistema Básico:

Mas o que é o Zhong Wudao? Como sugerido anteriormente, trata-se de uma compreensão pedagógica e filosófica das artes marciais chinesas desenvolvida em Taiwan na década de 1970 por um mestre chamado Lin Zhong Yuan. Nativo de Shanghai, Mestre Lin era um ex-combatente do exército do Guomingtang, lesionado durante a Guerra Civil e que passou a viver em Taiwan após a Revolução Comunista. Desde quando deixou o exército, dedicou-se à sua carreira de professor e de educador, tornando-se, inclusive, diretor de uma escola de nível mais ou menos correspondente, no Brasil, ao Fundamental II. Foi no contexto da educação que ele criou o Zhong Wudao.

Hino do Zhong Wudao, acervo particular. Originalmente enviado
pelo Mestre Li Zhong Yuan para o professor Fabrício Pinto Monteiro
e repassado para mim em 2016. Tradução possível:
"Caminho Marcial Chinês
As Culturas de Wen e Wu são unidas ao Caminho do Meio
O acaso está de acordo com a resposta ao momento ideal
Herança da Filosofia, Mérito, Técnica e Arte
Da virtude e sabedoria tem-se o início da Grande Paz"
Zhong Wudao, para o Mestre Lin, não era um estilo, mas uma forma de educar os jovens chineses (em Taiwan), aliando wen (文) e wu (武). Tem como meta a formação do caráter ético do cidadão a partir do despertar das suas potencialidades inatas. Essa é a base da sua wude (武德), à qual articula outros quatro aspectos ligados ao wu (武): wugong (武功), wuxue (武学), wuyi (武艺) e wuji (武技). A intenção do Mestre Lin era apresentar o seu Zhong Wudao ao governo de Taiwan de modo a fazer dele um programa de estado, o que nunca ocorreu. Acabou tornando-se uma "ideia abstrata", cuja formalização se deu na forma de um artigo publicado na revista Chinese Kuo Shu Quartely, em seu primeiro número, em 1984, periódico ligado à International Chinese Kuoshu Federation (ICKF), de Taiwan.


Excerto de página do artigo 为国武呐喊! 替国术开道! do Mestre
Li Zhong Yuan, publicado em 1984 na Chinese Kuoshu Quaterly.
Acervo da antiga Wushukuan, digitalizado por Guilherme Amaral Luz
em 2015.
Não existia um programa técnico fixo de Zhong Wudao, com formas estabelecidas e princípios próprios de estilo. Qualquer estilo de arte marcial chinesa poderia ser praticado a partir de princípios filosóficos ou pedagógicos do Zhong Wuadao. Neste sentido, ele não deixava de ser uma versão chinesa da concepção japonesa de Budo, cuja grafia em kanji, 武道, não se distingue daquela dada pelo Mestre Lin, em Chinês, ao seu projeto.

Antes de imigrar com a sua família para o Brasil, Huang Yu Sheng foi aluno do Mestre Lin Zhong Yuan em Taiwan. Antes dele, entretanto, já havia aprendido alguns estilos de artes marciais chinesas com outros professores e mestres. Seu primeiro professor era mestre de Chaquan (查拳), mas a última arte que vinha treinando com mais ênfase antes de vir para o Brasil era o Tanglangquan, estilos Changquan Tanglangquan (長拳螳螂拳), Bei Tanglangquan (北螳螂拳) e Mimen Tanglanquan (密门螳螂拳).

Diagrama da Wude do Zhong Wudao, elaborado pelo Mestre Lin Zhong Yuan.

Com o Mestre Lin, Huang Yu Sheng participou da construção de programas de Zhong Wudao para serem utilizados em escolas, o que incluía uma seleção de rotinas básicas, a começar pelo Tantui de doze linhas, que o Mestre Lin trazia a partir da fonte da Jingwu, onde teria começado a aprender artes marciais, quando ainda residia em Shanghai. Ao chegar no Brasil e começar a ensinar para brasileiros, Mestre Sheng aproveitou estes programas de Zhong Wudao voltado para escolas e inseriu rotinas de estilos de sua própria escolha, preferência e experiência, de modo mais "livre" em relação às escolhas do Mestre Lin.

Planilha da década de 1990 contendo parte do
programa de Zhong Wudao da Wushukuan. Acervo
da antiga Wushukuan, digitalizado por Guilherme
Amaral Luz em 2015.
 O Zhong Wudao do Mestre Sheng, na Wushukuan, dividia-se em três etapas: básica (terra), intermediária (homem) e avançada (céu). Originalmente, a etapa básica era bem sintética, constituída por 10 formas básicas de punho, com suas técnicas e aplicações. A segunda etapa, intermediária, incluía outras 10 rotinas, inclusive algumas com armas e maior atenção à luta natural, ao qigong e à meditação. A terceira etapa, aparentemente não trabalhada com nenhum aluno, seria mais livre e orientada conforme o perfil da pessoa. Com o tempo, a etapa básica foi ganhando autonomia e sendo ampliada em conteúdos, como uma nova forma de punhos introdutória, técnicas de shuaijiao, de autodefesa, de sanshou (散手) e de armas. O Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu referencia-se nesta etapa básica ampliada.

Atualmente, o Sistema Básico conta com uma estrutura que contém, ao todo, 13 formas obrigatórias de punho, 4 formas obrigatórias de armas, técnicas de shuaijiao, de sanshou, de auto-defesas, de qigong (气功) e estudo isolado de técnicas de membros inferiores e superiores (punhos, palmas, garras, chutes, cotovelos, joelhos etc). Suas formas de punho são todas bem básicas e compiladas de estilos tradicionais, algumas bem conhecidas e famosas, outras nem tanto. São elas:

1) Xibuquan 系步拳 (faixa cinza)
2) Zhongyiquan 忠義拳 (faixa amarela)
3) Wubuquan  五步拳 (faixa verde)
4) Xiaobaji 小八极 (faixa azul)
5) Tantui 弹腿 (faixa vermelha)
6) Shibasou 十八叟 (faixa roxa) - colete preto - instrutor
7) Yingchui 硬捶 (faixa marrom) - colete preto - instrutor
8) Yiquan 易拳* (faixa preta) - colete preto - professor
9) Chuji Changquan 初级 长拳 (faixa preta com ponteiro branco) - colete preto - professor
10) Nanquan 南拳 (faixa preta com ponteiro branco) - colete preto - professor
11) Zuojiquan 做基拳 (faixa preta com ponteiro amarelo) - colete preto - professor
12) Jingzhongquan 精忠拳 (faixa preta com ponteiro amarelo) - colete preto - professor
13) Tantui Duilian 潭腿对练 (sem faixa) - colete preto com detalhe em amarelo - professor graduado

* não confundir com 意拳

Aqui já se percebe uma peculiaridade do Tantui. Diferentemente da maioria das escolas que adotam-no como forma introdutória, no Sistema Básico da FMKK, ele figura no quinto estágio (faixa vermelha). No Zhong Wudao do Mestre Sheng, logo quando introduzido no Brasil, ele era o segundo estágio, antecedido somente pelo Xiaobaji, uma forma criada pelo Mestre Lin Zhong Yuan para trabalho de movimentação básica e uso eficiente da força do quadril. Com o tempo, o próprio Mestre Sheng simplificou o Xiaobaji e criou uma forma didática anterior a ela, o Xibuquan. Mais recentemente, a Federação incluiu o Zhongyiquan e o Wubuquan antes do Xiaobaji. Ambas são formas muito simples: a primeira, Zhongyiquan, é uma sequência criada em Taiwan no contexto da Federação Internacional de Kuoshu (ICKF), inspirada em movimentos de Bajiquan (八極拳); a segunda é uma forma bem simples de Wushu Moderno, normalmente mais utilizada para aprendizado de crianças e, no Sistema Básico da FMKK, uma rotina de preparação prévia para o Changquan, que aparece mais à frente no programa, com uma forma básica um pouco mais sofisticada: Chuji Changquan.

Mestres Li Wing Kay e Huang Yu Sheng no Campeonato
Brasileiro  de 2001. Acervo da  Antiga Wushukuan,
digitalizado em 2015 por Guilherme Amaral Luz
Esta composição curricular pode parecer bastante estranha aos olhos de praticantes especializados nos estilos que aparecem no programa. Um praticante de Tanglangquan, por exemplo, vai se assustar com o fato de uma forma simples como o Shibasou estar na faixa roxa, etapa a partir da qual se preparam tecnicamente os instrutores. Um praticante de Changquan ou de Wushu Moderno não entenderá como que Chuji Changquan pode estar na faixa preta etc. Para compreender isso é importante ter em vista o objetivo do sistema, tal como proposto pela FMKK: ele não tem um valor em si só, não é algo para ser estudado "para o resto da vida". O recomendável é que ele seja uma etapa inicial da formação, quando o praticante que está começando possa descobrir seu "perfil", ou que seja uma formação paralela a outra de caráter mais específico, preferencialmente tradicional. No meu próprio caso, tenho estudado o sistema em paralelo à prática de Tai Chi Chuan da Família Yang. O sistema básico serve muito bem como formação complementar eclética, que visa dar conhecimento geral sobre modos e estilos diferentes de artes marciais chinesas*.

*É interessante notar, como sintomático deste objetivo, que muitos  ex-alunos de Zhong Wudao do Mestre Sheng, em Uberlândia, acabaram dando continuidade às suas trajetórias em outras artes marciais, tornando-se referências nelas, tais como o Prof. Ubiratan, de Kickboxing, o Sensei Charles Carvalho, de Aikido, a Professora Beth Li, de Tai Chi Chuan Yang, o Professor Niltoamar, de vários estilos tradicionais de artes marciais chinesas, o Professor Sebastião, de Louva Deus do Norte, linhagem de Brendan Lai, etc. Mesmo os professores que hoje ensinam o Sistema Básico da FMKK ou o Zhong Wudao também se dedicam de modo mais específico a outra arte marcial ou a um estilo mais específico de artes marciais chinesas.

Esta peculiaridade impacta na compreensão do Tantui no currículo da FMKK. Quando o praticante começa a estudá-lo, ele já adquiriu um certo domínio das técnicas básicas de kung fu. O tempo mínimo que um praticante leva para chegar até ele é de um ano e três meses, levando em conta o calendário de exames. Normalmente, leva dois anos ou pouco mais. Neste meio tempo, ele já incorporou os principais elementos técnicos fundamentais e já teve, inclusive, experiências com armas (bastão, gun, 棍), shuaijiao, qigong e sanshou. Muitas vezes, ele já chega a esta etapa com objetivos e perfil específicos mais bem definidos. Ele já deixou de ser um total iniciante e, teoricamente, estaria apto a desenvolver compreensão mais aprofundada da forma.

O Shier Lu Tantui do Zhong Wudao e da FMKK:

O Tantui oficial presente como taolu obrigatório no Sistema Básico da FMKK é a mesma versão utilizada no Zhong Wudao do Mestre Sheng desde a década de 1990. Ele é, na verdade, uma condensação da forma de doze linhas em apenas quatro. Todos os movimentos são mantidos, entretanto, são realizados em apenas um dos sentidos. A forma completa e "original" também continua existindo e sendo treinada, ainda que não seja utilizada nos exames e em competições. Assim, o Shier Lu Tantui, na sua rotina completa, pode ser considerada uma "forma extra" no currículo da FMKK ou uma variação da forma oficial.

A forma completa é, em si, uma variação da versão da Associação Atlética Jingwu de Shanghai, aprendida pelo Mestre Lin Zhong Yuan por volta da década de 1930 ou 1940 e, desde então, certamente sofreu alterações. Em relação à atual forma da Jingwu, há diferenças bastante sensíveis, embora o esquema geral e a ordem das linhas sejam idênticos. A versão é muito provavelmente contemporânea àquela da forma Yingchui (parente de Gongliquan, 功力拳), presente na faixa marrom, que também fazia parte do currículo da Jingwu, e da versão de Tantui Duilian, que encerra o programa. No Zhong Wudao, há outras formas extras e da "etapa intermediária" que também advém desta mesma origem, porém elas ficaram de fora do currículo do Sistema Básico da FMKK.

Registro realizado há alguns anos, pelo Professor Fabrício Pinto Monteiro,
do Tantui de 12 linhas do Zhong Wu Dao do Mestre Lin Zhong Yuan.

No conjunto das suas 12 linhas, o Tantui da FMKK revela, em síntese, três princípios gerais. Primeiro, há um padrão básico de geração e transmissão de força: a propulsão e o enraizamento são realizados a partir dos hálux ("dedões") dos pés; por intermédio do dantian (丹田), a força é transmitida para a porção superior do corpo, de modo a ser emitida com uso do fechamento e da abertura das escápulas e do tórax. No caso dos movimentos de membros inferiores, a transmissão também se inicia pelo hálux, passa pelo dantian e com a movimentação do quadril, redistribui o peso e a força de uma perna para a outra. Basicamente, é este o princípio cinético geral da forma.

O segundo princípio geral da forma é o seu padrão geométrico de movimentação. No caso, há um referencial de angulações de 180º em todas as movimentações e posturas. Isso resulta em grande ênfase nos movimentos amplos, circulares e alongados. Em termos de movimentação, resulta em mudanças rápidas de direção com o uso do quadril e da cintura e em combinações harmônicas entre movimentos circulares em eixos horizontais e verticais. O terceiro princípio geral é um desdobramento deste segundo. Em toda forma há dois padrões de punhos: ora quebrando para dentro, ora quebrando para fora, de modo a formar linhas retas (180º) na linha do punho com o antebraço. Conforme a variação de punho, a movimentação torna-se mais aberta ou mais fechada, favorecendo técnicas curtas (duanda, 短打) ou alongadas (changquan, 长拳).

As linhas também seguem basicamente dois padrões de ênfase na movimentação: um mais alongado e de movimentos abertos e circulares e outro mais fechado e de movimentos explosivos; porém, em todas ou quase todas, há uma mistura de ambos. As linhas 1, 3, 4, 8, 10, 11 e 12 tendem mais à movimentação alongada. As linhas 2, 5 e 7 são tendem claramente para movimentos mais fechados. As linhas 6 e 9 sejam bastante equilibradas entre o longo e o curto. Em todas, entretanto, existe a ideia de transformar o longo em curto e vice-versa, sendo isso muito evidente em alguns movimentos das linhas 1, 4, 6, 8, 9 e 11, por exemplo. A compreensão destas possibilidades, observando as dinâmicas energéticas e de contração e extensão musculares em cada movimento nas suas distintas variações, dá origem a uma quantidade muito grande de possíveis aplicações para cada porção da forma. Isso é constitutivo da riqueza do Tantui, que traz abundantes exemplos de técnicas de da (打), ti (踢), shuai (摔) e na (拿).

Considerações Finais:

O Tantui, no Sistema Básico da FMKK, possui como objetivo consolidar o desenvolvimento dos fundamentos do praticante em fase inicial de aprendizagem, nos seus primeiros dois anos de estudos e de treinamento. Entretanto, é uma forma bastante rica e que pode ser explorada em detalhes pelo praticante com mais experiência (seja no próprio sistema ou em outros estilos ou artes marciais). Em Tupaciguara, no projeto que tocamos desde 2016, o Tantui foi levado para constituir, durante o ano de 2018, um meio de consolidar o desenvolvimento dos fundamentos técnicos dos alunos. Diferentemente do seu aprendizado regular no sistema, que leva de três a seis meses a depender do praticante e da sua rotina de treinos, a ideia é levar bem mais tempo e estudá-lo de modo mais verticalizado para explorar ao máximo a sua riqueza. Não é uma forma muito longa, nem traz técnicas muito difíceis. Porém, trata-se de uma excelente ferramenta de educação somática, cinética e energética para o praticante de artes marciais em qualquer momento ou etapa de sua formação, seja inicial, intermediária ou avançada. Nas próximas postagens da série, buscarei detalhar cada linha específica da versão de Tantui da FMKK, buscarei ilustrá-la melhor com imagens e vídeos, mas este será um processo lento e paulatino, como o trabalho que temos para frente ao longo deste ano.

Bibliografia:


FEDERAÇÃO MINEIRA DE KUNG FU KUOSHU. Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu, Uberlândia: FMKK, 2016.

LIN Zhong Yuan. Do brado de Guowu, abre caminho Guoshu! [Wei Guowu Nahan! Ti Guoshu Kaidao! 为国武呐喊! 替国术开道!]. In: Chinese Kuo Shu Quartely, 1(1): 24-42, 1984.

MONTEIRO, Fabrício Pinto. História das Artes Marciais Chinesas. Tradição, memórias e modernidade, Uberlândia: Assis Editora, 2014.

sexta-feira, 2 de março de 2018

武术, Arte da Guerra? Será mesmo?

Introdução: 

Hoje, resolvemos dar uma pausa na série sobre o Tantui para tratar de um tema mais geral relacionado ao conceito de "artes marciais", particularmente das artes marciais chinesas. É muito comum, no próprio meio marcial, pessoas referirem-se a 武术 como "arte da guerra". Trata-se de um erro de tradução, já que a palavra própria para guerra, na língua chinesa, é 战 (zhan), e não 武 (wu). Arte da guerra é mais propriamente 战术 (zhan shu), querendo dizer tática, ou ainda 兵法 (bing fa); isto é: técnicas ou táticas militares. 武 não é nem guerra (战), nem militar (兵). Sua tradução aproximada para o português e outras línguas latinas ou ocidentais é "marcial", o que causa imensa confusão.

Estátua de Ares (Ἄρης), deus grego da Guerra.

A grande confusão advém do fato de que a palavra "marcial" acaba por aludir ao deus romano da guerra, Marte (Ares, na mitologia grega), e, por isso, intérpretes mais apressados acabam lendo a palavra como alusão direta à atividade guerreira. Ledo engano! Marte, como já dissemos, é uma deidade ROMANA, jamais cultuada pelos chineses. Utilizar mitologia greco-romana para falar sobre a China imperial pode funcionar como metáfora, como uma comparação em nível bastante abstrato, mas não é acurado do ponto de vista histórico-cultural. Até porque o status do guerreiro em Roma Antiga e na China Imperial é absurdamente incompatível um com o outro.

Esqueçam "Marte", entendam :

武 e 战 (戰) são conceitos cujas composições, em comum, trazem o ideograma 戈 (ge), alabarda, que, neste contexto, pode significar, no geral, armas. 战 (戰) combina 戈 (ge) com a palavra 单 (dan), que significa "unidade" ou "formação". Já 武 (wu) combina 戈 (ge) com 止 (zhi), que significa "parar" ou "proibir". Zhan, neste sentido, remete-se a imagem de todos os homens (de um exército) lutando como uma só arma. Sua ideia principal é que se trata de uma batalha coletiva em que cada parte forma um único todo. Wu remete-se a uma ideia mais ligada à finalidade da guerra do que à luta em si: parar as armas ou parar as agressões com as armas. É uma noção que alude à finalidade de promover a paz e de resistir à violência.


Esquema da Formação "Pato Mandarim", segundo o manual de Táticas Militares
Jixiao Xinshu (纪效新书), do General Qi Jiguang.

Soldado também não é uma palavra que se forma a partir da palavra 武. Este sentido é muito mais ligado ao de 兵 (bing). Expressões como Wushi (武士)  conceito japonês, ligado à tradição do Bushido, apropriado apenas tardiamente na China  e Wuguan (武官) denotam outro tipo de status socialmente mais elevado do que o do mero soldado ou do militar comum (mesmo quando se trata de um comandante ou de um estrategista). 士 (shi) é uma espécie de título honorífico, próprio para pessoas de status social elevado. 官 (guan), por sua vez, significa um oficial de governo, alguém encarregado pela administração pública.

Se levarmos a diante a construção deste conceito, veremos que 武术 não faz sentido como uma "arte" destinada ao combate em campo de batalha pelos soldados (兵, bing). O que veio muito mais tarde a ser nomeado como wushu não se confunde com os exercícios militares em campo de batalha, no qual os guerreiros lutam como tropas, unidos, compondo, juntos, uma formação militar (coletiva), uma só arma. A arte em campo de batalha, como dissemos, é uma arte tática, coletiva, e nomeia-se 战术 (zhan shu). O 武 é algo mais ligado ao desenvolvimento "individual" ou "pessoal".

Para entender melhor o significado de 武 (wu), vale também fazer referência à expressão 武文 (wu wen). Wen significa "letras", "cultura", "literatura", "erudição". É a atividade à qual se dedica, por excelência, o 进士 (jinshi): a elite civil do império, os grandes oficiais que ascendiam aos cargos mais importantes da administração pública por meio dos exames imperiais (科舉, keju), instituídos desde a Dinastia Han. Os exames, embora incluíssem os estudos de estratégia militar, não focalizavam a habilidade com armas em si. A ideia de um enobrecimento pelas armas é muito mais japonesa (com os Samurais) ou europeia (com a Cavalaria medieval), por exemplo.


Representação de letrados em estudo na China Imperial.

Mudanças entre as Eras Ming e Qing:

A partir do período final da Dinastia Ming, no século XVI, é que se começa a estabelecer conexões mais evidentes e documentadas entre o que, hoje, chamamos de "arte marcial" (wushu) e as artes da guerra. Personagem importante deste processo é o famoso General Qi Jiguang. Sua obra Jixiao Xinshu (纪效新书), na versão mais antiga, trazia dentro de si um pequeno tratado sobre combates de mãos (拳經捷要, Quan Jing Jieyao). Embora este tratado seja muitas vezes pensado como uma "prova" de que as artes marciais de punho seriam muito práticas para o combate, o que ele afirma é exatamente o oposto. Qi Jiguang as entende tão somente como exercícios preliminares para o uso de armas e para a preparação física, moral e mental das tropas. É muito mais uma ginástica do que algo voltado para o campo de batalha. Como afirma Meir Shahar:
"O combate de mãos, argumentava Qi Jiguang, poderia ser utilizado para o treinamento das tropas. O experiente general tinha plena consciência de que os métodos de mãos nuas eram inúteis no campo de batalha. Ele sugeria, ainda assim, que eles não deixavam de ter seu mérito como elementos de instilação da coragem. Além disso, a prática de mãos livres era um bom ponto de partida para o treinamento com armas: 'Em geral', escreve o autor, 'a mão, bastão, facão, lança, garfo, garra, espada de fio duplo, lança de duas pontas, arco e flecha, espada com gancho, foice e escudo procedem, todos, das técnicas de mãos livres no treinamento do corpo e das mãos." (SHAHAR, 2011: 191)
A arte da guerra frisada em Jixiao Xinshu é a arte das táticas coletivas, pensadas por meio das "formações" (队列, dui lie), como a famosa "pato mandarim" (ver acima), utilizada na luta contra os Wokou (倭寇), "piratas japoneses", que ameaçavam a costa da China durante da Dinastia Ming. As técnicas de combate de punho fariam parte da preparação das tropas, não tinham nenhum valor militar em si, a não ser como fundamentos. Elas dariam uma base para o desenvolvimento da moral do soldado e para o manejo mais eficiente das armas.

E mais: depois de 20 anos da escrita de Jixiao Xinshu, Qi Jiguang revisou o seu manual e suprimiu dele o Quan Jing Jieyao... Shahar, a partir de outro estudioso importante sobre o assunto, Ma Mingda, entendeu que, aos 55 anos, por volta de 1584, artes de punho não combinavam com o legado do General, que decidiu não misturar suas ideias com "duvidosas artes populares". Voltamos aqui ao par Wu Wen. Como figura pública, politicamente respeitada, Qi Jiguang afastava-se das artes de punho e buscava enfatizar o caráter estrategista de seu legado militar.


Qi Jiguang, em seu famoso retrato da Dinastia Ming, é representado
com as vestimentas típicas de um letrado e segura um 卷 (juan), um "pergaminho",
em alusão explícita ao seu status social de homem educado nas letras (wen, 文).

O lado "intelectual" e tático, mesmo considerando a guerra, era o que conferia prestígio aos grandes generais (将军, jiang jun), não o lado físico e técnico. Ainda na Dinastia Ming, a literatura militar não foi o maior suporte difusor das artes de punho, mas sim a "literatura popular". Nesta época, as "artes marciais" (ainda não denominadas wushu) eram ainda muito associadas às classes de menor prestígio social, como algo rude e sem ciência. Começavam a ganhar notoriedade e a circular, mas permaneciam como algo de segunda categoria.

No século XVII, entre o finalzinho da Era Ming e o alvorecer da nova Dinastia, surgem sinais de mudanças mais profundas. Épocas de crises dinásticas e de revoltas populares sempre foram momentos importantes de transformação cultural e intelectual ao longo da história da China imperial. Segundo as teorias confucionistas, estes tempos marcavam a perda do 天命 (Tian ming, mandato ou favor dos Céus) pelo mau governante (ou pelo mau governo), sendo um período de turbulência necessário à retomada do caminho (do Dao, 道), da ordem natural (perdida, esquecida, negligenciada).

Neste novo contexto, ganhou força a obra do filósofo Wang Yangming, que, ligado ao movimento da "Escola da Mente" (陽明學, Yangmingxue), recuperaria idéias naturalistas de Mêncio (Mengzi, 孟子) para fazer uma revisão do Neo-confucionismo. Nela, sobressai uma crítica ferrenha ao "intelectualismo" e à erudição pura como meio de educação moral. Conforme a doutrina deste pensador, a crise do império poderia ser tomada como uma crise do padrão ético causado, dentre outro fatores, pelos defeitos do sistema educacional, que dissociava conhecimento de ação. Esta foi uma grande mudança de paradigmas por meio da qual as artes marciais puderam ser reconsideradas e ganhar um novo valor social.



Wen deixava de ser o único ou o principal meio de educação moral do homem público. Era necessário encontrar métodos em que conhecimentos fossem colocados em prática e isso era possível em práticas de combate. Curiosamente, datam do século XVII as primeiras referências a artes marciais de punho com nomes ligados a conceitos filosóficos (taoistas e neo-confucionistas), como o Bagua e o Taijiquan, por exemplo. Isto não quer dizer que, antes do século XVII, não tenha existido conexões entre as artes marciais e filosofia. O ponto é que, a partir deste momento, o terreno social e cultural para este tipo de articulação tornava-se muito mais fértil.

德 e a Formação da Nação:

Wushu é uma expressão novíssima para exprimir uma ideia geral de artes marciais. Ela pode ter sido utilizada eventualmente em passado mais remoto, porém, sua adoção mais sistemática e usual deu-se já na época republicana, no início do século XX, por meio da expressão: 中国武术 (zhongguo wushu), expressão que passou a ser abreviada de duas formas, 国术 (guoshu) ou 武术 (wushu). Em quaisquer dos casos, nota-se a dependência do conceito à ideia de nação, Zhongguo (a China). Na época da "modernização"/"ocidentalização" da China, 国术 (guoshu) e 体育 (tiyu) tornam-se a base da "educação física nacional". Inicialmente, integram programas estatais de edificação física, cívica e moral do povo chinês, a partir da ideologia do Partido Nacionalista. São fomentados os intercâmbios entre estilos e famílias marciais e a abertura do ensino de "artes marciais" publicamente. São diluídas, assim, as fronteiras étnicas e regionais entre as artes marciais da China, que passam a gozar de uma condição de "esporte nacional". Nanquim, então capital do Guomingtang, torna-se central neste processo.

Símbolo do Partido Nacionalista (Guomingtang) apresenta um sol de 12 pontas,
alusivo à doutrina pedagógica e ética das 12 regras principais
(shier shouze, 十二守則), de inspiração confucionista. 

O processo, entretanto, é anterior ao período do "Governo Provisório" do líder nacionalista Sun Yat-Sen. Desde o final do século XIX, nos grandes centros urbanos mais "cosmopolitas" no Sul e no Leste da costa chinesa, como Hong Kong e Xangai, por exemplo, as "artes marciais" vinham se modernizando e assumindo cada vez mais um caráter público e comercial. Nesta época, entretanto, os termos wushu e guoshu ainda não haviam se estabelecido como os mais usuais. O mais comum era o conceito de 武藝 ou 武艺 (wuyi). 艺 ou 藝 é praticamente sinônimo de 术, também significa técnica, porém, com uma conotação mais ligada ao trabalho artesanal ou manual. Outra palavra semelhante também utilizada para técnicas marciais era 技 (ji), cuja conotação está mais ligada à ideia de habilidade. Além, é claro, de 法 (fa), "método", como aparece em palavras como 拳法 (quanfa), técnicas de punho.

Mas voltemos a 武藝 (wuyi). 藝 (yi) deriva do seguinte pictograma mais arcaico:

Ver: http://chinese-characters.org/meaning/8/85DD.html#.WplQz-gbPIU

O significado arcaico de 藝 (yi) remete-se à ideia de "cultura", no sentido de "cultivo" da terra para o crescimento da lavoura. 武藝 traz em si uma ideia de cultivo do wu. Trata-se de uma noção coerente com a filosofia ética naturalista de Wang Yangming, referido mais acima. Na sua perspectiva, o processo educacional não visa incutir valores externos ao sujeito, mas despertar aqueles mesmos valores que já são inatos do ser humano, naturalmente ciente do que é bom, do que é justo, do que é verdadeiro etc. O cultivo, o estudo, o aprendizado visa despertar as capacidades inatas presentes no coração humano, para que brilhem as suas virtudes. 武藝, assim compreendida, é um método ou técnica que busca criar o ambiente para o florescimento da 武德 (wude), a "virtude marcial".

Apesar do fato da guerra, nos anos 1920, 30 e 40, ainda ser relativamente dependente da batalha de trincheiras, do uso de algumas armas brancas e de baionetas, seria ainda mais absurdo do que na época de Qi Jiguang pensar em "artes marciais chinesas" (中国武术) como "arte da guerra". Nelas, as "artes marciais" estavam muito mais presentes nos momentos de lazer e descontração das tropas do que no campo de batalha em si. A apropriação do 武藝 no contexto de sua transformação em 中国武术 visava, muito antes, a educação do cidadão chinês na 武德. Agora, não mais a 武德 quase aristocrática voltada à elite de funcionários públicos da Dinastia Qing, mas uma ideia de "virtude nacional" acessível ao conjunto dos cidadãos.

Considerações Finais:

Existem muitos mitos ligados às origens e aos "verdadeiros sentidos" das artes marciais chinesas. De uns tempos para cá, a ideia de que elas teriam sido originadas nos mosteiros do Budismo Chan, sobretudo, no lendário templo de Shaolin, vem perdendo força. Em substituição, com maior verossimilhança histórica, ganham mais aceitação no meio marcial as relações entre as origens das artes marciais e o ambiente militar do final da Dinastia Ming. Assim, muitos clamam pela verdadeira natureza bélica ou de combate que elas trariam desde o seu berço.

Esta nova compreensão das "artes marciais chinesas" é também um mito. Não que seja completamente mentira (por sinal, a relação com templos do Budismo Chan também não é totalmente sem propósito), mas é uma compreensão parcial, limitada e, um pouco mais grave, etnocêntrica. Ela supõe ideias de marcialidade que não estão na base do conceito chinês de wu (武), mas que projetam concepções militaristas de outros contextos: romanos, medievais, japoneses e "ocidentais modernos", por exemplo. É uma conclusão apressada e que ignora a trajetória histórica e cultural própria daquilo que nos chegou, no Brasil, com o nome de "artes marciais chinesas", na segunda metade do século XX. Uma trajetória que está ligada ao contexto social, cultural, filosófico, militar e político de uma realidade bastante distante (e diferente) da nossa, que, para ser compreendido, exige esforço intelectual e hermenêutico.

Ao longo da história da China, isso que nós chamamos de wushu – e que já recebeu diversas outras denominações e significados ao longo do tempo  foi vivenciado de modos variados e com objetivos diversos por comunidades específicas. E mais: continua em transformação e ganhando novos usos. Dentre estes usos, o militar jamais foi central, jamais foi preponderante e, possivelmente, não foi o primeiro (não há registros que nos permitam saber com certeza). Não existe uso "original" das "artes marciais chinesas" e, logo, usos que fujam ou desviem-se deste suposto sentido próprio. Na educação física, na ópera, no templo, no ringue, nas ruas e praças ou no quartel, as "artes marciais" estarão sempre no seu devido lugar. Suas vivências "filosóficas", "artísticas", de "defesa pessoal" e outras são todas igualmente legítimas e nenhuma é a original, a função "por excelência". Se queremos uma "arte marcial" que seja tradição viva, temos que aceitar o caráter mutável e plástico dos seus usos.

Referências Bibliográficas:


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