terça-feira, 13 de março de 2018

O Que é Tantui? (Parte 4: A Versão da FMKK)

Introdução:

Volto a falar do Tantui após uma breve pausa para refletir em geral sobre as relações entre as artes marciais chinesas e o tema da guerra. Nesta parte da série, pretendo apresentar a versão de Shier Lu Tantui (十二路弹腿) da Federação Mineira de Kung Fu Kuoshu (FMKK), que é a versão que eu estudo e a que acabo de começar a ensinar para os alunos do projeto "Kung Fu: interfaces entre prática de arte marcial e ensino e aprendizagem em Humanidades (Ano III)", desenvolvido em Tupaciguara-MG, na Escola Estadual Sebastião Dias Ferraz.

Recapitulando, na primeira parte da série, abordamos a respeito das origens da forma, suas relações com o chamado Jiaomen (教门) dos Hui (回) e como ela foi incorporada a programas mais modernizados de aprendizagem de artes marciais desde o início do século XX, por meio, principalmente, da Associação Atlética Jingwu (精武体育会). Na segunda e na terceira partes, o foco foi metodológico, quando abordamos cinco operações que acompanham o estudo da forma, segundo a minha concepção e percepção: memória, análise, síntese (temas da segunda parte), experimentação e aplicação (temas da terceira parte). Agora, apresentar a versão da FMKK é importante, pois as suas especificidades não são generalizáveis e a compreensão que tenho da forma se articula a um conjunto maior do qual ela se tornou parte.

A FMKK e o seu Sistema Básico:

O Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu não é um estilo de "Kung Fu", nem uma arte marcial "inventada", fora do contexto chinês. Também não é um sistema de defesa pessoal, tampouco um programa de mixed martial arts, muito menos um apanhado de formas de Wushu moderno, voltadas a competições de Taolu. Ele é um programa didático de iniciação geral às artes marciais chinesas em desenvolvimento desde aproximadamente a década de 1970, em Taiwan.

A Federação Mineira de Kung Fu Kuoshu (FMKK) foi recriada em 2013, na cidade de Uberlândia, retomando um projeto que havia iniciado na década de 1990, mas que se encontrava interrompido, de organizar uma estrutura de intercâmbios regionais entre escolas de artes marciais chinesas. No final dos anos 90, este projeto era liderado pelo Mestre Huang Yu Sheng e a sua academia, a Wushukuan, fechada nos anos 2000. Antes dele, entretanto, entre 1995 e 1998, funcionou, com sede em Belo Horizonte, a "Federação Mineira de Kuoshu Tradicional", presidida pelo professor Urbano Ribeiro Silva. Neste meio tempo, outras organizações foram surgindo e se desenvolvendo no estado, com destaque para a Federação Mineira de Kung Fu Wushu (FMKFW), sediada em Itajubá, ligada a Confederação Brasileira de Kung Fu Wushu (CBKW).

A FMKK não surgiu como rival da Federação Mineira de Kung Fu Wushu. Pelo contrário, enxerga-a como parceira na divulgação das artes marciais chinesas na região. As duas estão presentes no Triângulo Mineiro e, muitas vezes, participam de atividades uma da outra. A FMKK surgiu com uma proposta própria, mais voltada ao resgate de trajetórias do desenvolvimento do Kung Fu na nossa região e, particularmente, comprometida em resgatar o legado da Wushukuan. Desde o fechamento da academia, a dispersão dos seus antigos alunos vinha gerando uma fragmentação na liderança do seu legado técnico. Uma das metas da Federação é, exatamente, assumir esta liderança. Para isso, contou com o apoio do Mestre Sheng, que foi um dos seus membros fundadores.

Em 2015, após estudos, reuniões e consultas, um grupo de professores e instrutores ligados direta ou indiretamente à Wushukuan assumiu a tarefa de padronizar um currículo comum de iniciação ao Kung Fu Kuoshu. Este currículo segue, como base, o que na antiga academia era ensinado como Zhong Wudao (中武道). Em 2016, a padronização do currículo ficou pronta e, para se diferenciar do Zhong Wudao, que tem as suas particularidades, foi nomeada "Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu". Este sistema serve para a iniciação geral ao kung fu e como uma língua franca a partir da qual praticantes de estilos específicos podem dialogar no interior da FMKK. Ele também é a base da qual derivam os programas de iniciação ao kung fu utilizados em projetos educacionais, culturais e sociais, como este mesmo de Tupaciguara.

Em 2017, a FMKK, a fim de articular-se a uma estrutura nacional e internacional, filiou-se ao Instituto Li Wing Kay. Esta escolha se deu em sintonia com a história de desenvolvimento do Zhong Wudao do Mestre Sheng, que incorporou elementos provenientes de intercâmbios com o Mestre Li na década de 1990, dentre os quais a introdução de técnicas de Shuaijiao (摔跤) na sua etapa básica. Há várias outras semelhanças entre o Zhong Wudao do Mestre Sheng e o Garra de Águia de Mestre Li, inclusive relacionadas à padronização do Tantui. Isso sem falar na forma Zhongyiquan (忠義拳), típica do movimento do Kuoshu em Taiwan, presente no Garra de Águia do Mestre Li e que era uma forma "extra" do Zhong Wudao. Ela, atualmente, compõe o currículo obrigatório do Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu.

Zhong Wudao e Sistema Básico:

Mas o que é o Zhong Wudao? Como sugerido anteriormente, trata-se de uma compreensão pedagógica e filosófica das artes marciais chinesas desenvolvida em Taiwan na década de 1970 por um mestre chamado Lin Zhong Yuan. Nativo de Shanghai, Mestre Lin era um ex-combatente do exército do Guomingtang, lesionado durante a Guerra Civil e que passou a viver em Taiwan após a Revolução Comunista. Desde quando deixou o exército, dedicou-se à sua carreira de professor e de educador, tornando-se, inclusive, diretor de uma escola de nível mais ou menos correspondente, no Brasil, ao Fundamental II. Foi no contexto da educação que ele criou o Zhong Wudao.

Hino do Zhong Wudao, acervo particular. Originalmente enviado
pelo Mestre Li Zhong Yuan para o professor Fabrício Pinto Monteiro
e repassado para mim em 2016. Tradução possível:
"Caminho Marcial Chinês
As Culturas de Wen e Wu são unidas ao Caminho do Meio
O acaso está de acordo com a resposta ao momento ideal
Herança da Filosofia, Mérito, Técnica e Arte
Da virtude e sabedoria tem-se o início da Grande Paz"
Zhong Wudao, para o Mestre Lin, não era um estilo, mas uma forma de educar os jovens chineses (em Taiwan), aliando wen (文) e wu (武). Tem como meta a formação do caráter ético do cidadão a partir do despertar das suas potencialidades inatas. Essa é a base da sua wude (武德), à qual articula outros quatro aspectos ligados ao wu (武): wugong (武功), wuxue (武学), wuyi (武艺) e wuji (武技). A intenção do Mestre Lin era apresentar o seu Zhong Wudao ao governo de Taiwan de modo a fazer dele um programa de estado, o que nunca ocorreu. Acabou tornando-se uma "ideia abstrata", cuja formalização se deu na forma de um artigo publicado na revista Chinese Kuo Shu Quartely, em seu primeiro número, em 1984, periódico ligado à International Chinese Kuoshu Federation (ICKF), de Taiwan.


Excerto de página do artigo 为国武呐喊! 替国术开道! do Mestre
Li Zhong Yuan, publicado em 1984 na Chinese Kuoshu Quaterly.
Acervo da antiga Wushukuan, digitalizado por Guilherme Amaral Luz
em 2015.
Não existia um programa técnico fixo de Zhong Wudao, com formas estabelecidas e princípios próprios de estilo. Qualquer estilo de arte marcial chinesa poderia ser praticado a partir de princípios filosóficos ou pedagógicos do Zhong Wuadao. Neste sentido, ele não deixava de ser uma versão chinesa da concepção japonesa de Budo, cuja grafia em kanji, 武道, não se distingue daquela dada pelo Mestre Lin, em Chinês, ao seu projeto.

Antes de imigrar com a sua família para o Brasil, Huang Yu Sheng foi aluno do Mestre Lin Zhong Yuan em Taiwan. Antes dele, entretanto, já havia aprendido alguns estilos de artes marciais chinesas com outros professores e mestres. Seu primeiro professor era mestre de Chaquan (查拳), mas a última arte que vinha treinando com mais ênfase antes de vir para o Brasil era o Tanglangquan, estilos Changquan Tanglangquan (長拳螳螂拳), Bei Tanglangquan (北螳螂拳) e Mimen Tanglanquan (密门螳螂拳).

Diagrama da Wude do Zhong Wudao, elaborado pelo Mestre Lin Zhong Yuan.

Com o Mestre Lin, Huang Yu Sheng participou da construção de programas de Zhong Wudao para serem utilizados em escolas, o que incluía uma seleção de rotinas básicas, a começar pelo Tantui de doze linhas, que o Mestre Lin trazia a partir da fonte da Jingwu, onde teria começado a aprender artes marciais, quando ainda residia em Shanghai. Ao chegar no Brasil e começar a ensinar para brasileiros, Mestre Sheng aproveitou estes programas de Zhong Wudao voltado para escolas e inseriu rotinas de estilos de sua própria escolha, preferência e experiência, de modo mais "livre" em relação às escolhas do Mestre Lin.

Planilha da década de 1990 contendo parte do
programa de Zhong Wudao da Wushukuan. Acervo
da antiga Wushukuan, digitalizado por Guilherme
Amaral Luz em 2015.
 O Zhong Wudao do Mestre Sheng, na Wushukuan, dividia-se em três etapas: básica (terra), intermediária (homem) e avançada (céu). Originalmente, a etapa básica era bem sintética, constituída por 10 formas básicas de punho, com suas técnicas e aplicações. A segunda etapa, intermediária, incluía outras 10 rotinas, inclusive algumas com armas e maior atenção à luta natural, ao qigong e à meditação. A terceira etapa, aparentemente não trabalhada com nenhum aluno, seria mais livre e orientada conforme o perfil da pessoa. Com o tempo, a etapa básica foi ganhando autonomia e sendo ampliada em conteúdos, como uma nova forma de punhos introdutória, técnicas de shuaijiao, de autodefesa, de sanshou (散手) e de armas. O Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu referencia-se nesta etapa básica ampliada.

Atualmente, o Sistema Básico conta com uma estrutura que contém, ao todo, 13 formas obrigatórias de punho, 4 formas obrigatórias de armas, técnicas de shuaijiao, de sanshou, de auto-defesas, de qigong (气功) e estudo isolado de técnicas de membros inferiores e superiores (punhos, palmas, garras, chutes, cotovelos, joelhos etc). Suas formas de punho são todas bem básicas e compiladas de estilos tradicionais, algumas bem conhecidas e famosas, outras nem tanto. São elas:

1) Xibuquan 系步拳 (faixa cinza)
2) Zhongyiquan 忠義拳 (faixa amarela)
3) Wubuquan  五步拳 (faixa verde)
4) Xiaobaji 小八极 (faixa azul)
5) Tantui 弹腿 (faixa vermelha)
6) Shibasou 十八叟 (faixa roxa) - colete preto - instrutor
7) Yingchui 硬捶 (faixa marrom) - colete preto - instrutor
8) Yiquan 易拳* (faixa preta) - colete preto - professor
9) Chuji Changquan 初级 长拳 (faixa preta com ponteiro branco) - colete preto - professor
10) Nanquan 南拳 (faixa preta com ponteiro branco) - colete preto - professor
11) Zuojiquan 做基拳 (faixa preta com ponteiro amarelo) - colete preto - professor
12) Jingzhongquan 精忠拳 (faixa preta com ponteiro amarelo) - colete preto - professor
13) Tantui Duilian 潭腿对练 (sem faixa) - colete preto com detalhe em amarelo - professor graduado

* não confundir com 意拳

Aqui já se percebe uma peculiaridade do Tantui. Diferentemente da maioria das escolas que adotam-no como forma introdutória, no Sistema Básico da FMKK, ele figura no quinto estágio (faixa vermelha). No Zhong Wudao do Mestre Sheng, logo quando introduzido no Brasil, ele era o segundo estágio, antecedido somente pelo Xiaobaji, uma forma criada pelo Mestre Lin Zhong Yuan para trabalho de movimentação básica e uso eficiente da força do quadril. Com o tempo, o próprio Mestre Sheng simplificou o Xiaobaji e criou uma forma didática anterior a ela, o Xibuquan. Mais recentemente, a Federação incluiu o Zhongyiquan e o Wubuquan antes do Xiaobaji. Ambas são formas muito simples: a primeira, Zhongyiquan, é uma sequência criada em Taiwan no contexto da Federação Internacional de Kuoshu (ICKF), inspirada em movimentos de Bajiquan (八極拳); a segunda é uma forma bem simples de Wushu Moderno, normalmente mais utilizada para aprendizado de crianças e, no Sistema Básico da FMKK, uma rotina de preparação prévia para o Changquan, que aparece mais à frente no programa, com uma forma básica um pouco mais sofisticada: Chuji Changquan.

Mestres Li Wing Kay e Huang Yu Sheng no Campeonato
Brasileiro  de 2001. Acervo da  Antiga Wushukuan,
digitalizado em 2015 por Guilherme Amaral Luz
Esta composição curricular pode parecer bastante estranha aos olhos de praticantes especializados nos estilos que aparecem no programa. Um praticante de Tanglangquan, por exemplo, vai se assustar com o fato de uma forma simples como o Shibasou estar na faixa roxa, etapa a partir da qual se preparam tecnicamente os instrutores. Um praticante de Changquan ou de Wushu Moderno não entenderá como que Chuji Changquan pode estar na faixa preta etc. Para compreender isso é importante ter em vista o objetivo do sistema, tal como proposto pela FMKK: ele não tem um valor em si só, não é algo para ser estudado "para o resto da vida". O recomendável é que ele seja uma etapa inicial da formação, quando o praticante que está começando possa descobrir seu "perfil", ou que seja uma formação paralela a outra de caráter mais específico, preferencialmente tradicional. No meu próprio caso, tenho estudado o sistema em paralelo à prática de Tai Chi Chuan da Família Yang. O sistema básico serve muito bem como formação complementar eclética, que visa dar conhecimento geral sobre modos e estilos diferentes de artes marciais chinesas*.

*É interessante notar, como sintomático deste objetivo, que muitos  ex-alunos de Zhong Wudao do Mestre Sheng, em Uberlândia, acabaram dando continuidade às suas trajetórias em outras artes marciais, tornando-se referências nelas, tais como o Prof. Ubiratan, de Kickboxing, o Sensei Charles Carvalho, de Aikido, a Professora Beth Li, de Tai Chi Chuan Yang, o Professor Niltoamar, de vários estilos tradicionais de artes marciais chinesas, o Professor Sebastião, de Louva Deus do Norte, linhagem de Brendan Lai, etc. Mesmo os professores que hoje ensinam o Sistema Básico da FMKK ou o Zhong Wudao também se dedicam de modo mais específico a outra arte marcial ou a um estilo mais específico de artes marciais chinesas.

Esta peculiaridade impacta na compreensão do Tantui no currículo da FMKK. Quando o praticante começa a estudá-lo, ele já adquiriu um certo domínio das técnicas básicas de kung fu. O tempo mínimo que um praticante leva para chegar até ele é de um ano e três meses, levando em conta o calendário de exames. Normalmente, leva dois anos ou pouco mais. Neste meio tempo, ele já incorporou os principais elementos técnicos fundamentais e já teve, inclusive, experiências com armas (bastão, gun, 棍), shuaijiao, qigong e sanshou. Muitas vezes, ele já chega a esta etapa com objetivos e perfil específicos mais bem definidos. Ele já deixou de ser um total iniciante e, teoricamente, estaria apto a desenvolver compreensão mais aprofundada da forma.

O Shier Lu Tantui do Zhong Wudao e da FMKK:

O Tantui oficial presente como taolu obrigatório no Sistema Básico da FMKK é a mesma versão utilizada no Zhong Wudao do Mestre Sheng desde a década de 1990. Ele é, na verdade, uma condensação da forma de doze linhas em apenas quatro. Todos os movimentos são mantidos, entretanto, são realizados em apenas um dos sentidos. A forma completa e "original" também continua existindo e sendo treinada, ainda que não seja utilizada nos exames e em competições. Assim, o Shier Lu Tantui, na sua rotina completa, pode ser considerada uma "forma extra" no currículo da FMKK ou uma variação da forma oficial.

A forma completa é, em si, uma variação da versão da Associação Atlética Jingwu de Shanghai, aprendida pelo Mestre Lin Zhong Yuan por volta da década de 1930 ou 1940 e, desde então, certamente sofreu alterações. Em relação à atual forma da Jingwu, há diferenças bastante sensíveis, embora o esquema geral e a ordem das linhas sejam idênticos. A versão é muito provavelmente contemporânea àquela da forma Yingchui (parente de Gongliquan, 功力拳), presente na faixa marrom, que também fazia parte do currículo da Jingwu, e da versão de Tantui Duilian, que encerra o programa. No Zhong Wudao, há outras formas extras e da "etapa intermediária" que também advém desta mesma origem, porém elas ficaram de fora do currículo do Sistema Básico da FMKK.

Registro realizado há alguns anos, pelo Professor Fabrício Pinto Monteiro,
do Tantui de 12 linhas do Zhong Wu Dao do Mestre Lin Zhong Yuan.

No conjunto das suas 12 linhas, o Tantui da FMKK revela, em síntese, três princípios gerais. Primeiro, há um padrão básico de geração e transmissão de força: a propulsão e o enraizamento são realizados a partir dos hálux ("dedões") dos pés; por intermédio do dantian (丹田), a força é transmitida para a porção superior do corpo, de modo a ser emitida com uso do fechamento e da abertura das escápulas e do tórax. No caso dos movimentos de membros inferiores, a transmissão também se inicia pelo hálux, passa pelo dantian e com a movimentação do quadril, redistribui o peso e a força de uma perna para a outra. Basicamente, é este o princípio cinético geral da forma.

O segundo princípio geral da forma é o seu padrão geométrico de movimentação. No caso, há um referencial de angulações de 180º em todas as movimentações e posturas. Isso resulta em grande ênfase nos movimentos amplos, circulares e alongados. Em termos de movimentação, resulta em mudanças rápidas de direção com o uso do quadril e da cintura e em combinações harmônicas entre movimentos circulares em eixos horizontais e verticais. O terceiro princípio geral é um desdobramento deste segundo. Em toda forma há dois padrões de punhos: ora quebrando para dentro, ora quebrando para fora, de modo a formar linhas retas (180º) na linha do punho com o antebraço. Conforme a variação de punho, a movimentação torna-se mais aberta ou mais fechada, favorecendo técnicas curtas (duanda, 短打) ou alongadas (changquan, 长拳).

As linhas também seguem basicamente dois padrões de ênfase na movimentação: um mais alongado e de movimentos abertos e circulares e outro mais fechado e de movimentos explosivos; porém, em todas ou quase todas, há uma mistura de ambos. As linhas 1, 3, 4, 8, 10, 11 e 12 tendem mais à movimentação alongada. As linhas 2, 5 e 7 são tendem claramente para movimentos mais fechados. As linhas 6 e 9 sejam bastante equilibradas entre o longo e o curto. Em todas, entretanto, existe a ideia de transformar o longo em curto e vice-versa, sendo isso muito evidente em alguns movimentos das linhas 1, 4, 6, 8, 9 e 11, por exemplo. A compreensão destas possibilidades, observando as dinâmicas energéticas e de contração e extensão musculares em cada movimento nas suas distintas variações, dá origem a uma quantidade muito grande de possíveis aplicações para cada porção da forma. Isso é constitutivo da riqueza do Tantui, que traz abundantes exemplos de técnicas de da (打), ti (踢), shuai (摔) e na (拿).

Considerações Finais:

O Tantui, no Sistema Básico da FMKK, possui como objetivo consolidar o desenvolvimento dos fundamentos do praticante em fase inicial de aprendizagem, nos seus primeiros dois anos de estudos e de treinamento. Entretanto, é uma forma bastante rica e que pode ser explorada em detalhes pelo praticante com mais experiência (seja no próprio sistema ou em outros estilos ou artes marciais). Em Tupaciguara, no projeto que tocamos desde 2016, o Tantui foi levado para constituir, durante o ano de 2018, um meio de consolidar o desenvolvimento dos fundamentos técnicos dos alunos. Diferentemente do seu aprendizado regular no sistema, que leva de três a seis meses a depender do praticante e da sua rotina de treinos, a ideia é levar bem mais tempo e estudá-lo de modo mais verticalizado para explorar ao máximo a sua riqueza. Não é uma forma muito longa, nem traz técnicas muito difíceis. Porém, trata-se de uma excelente ferramenta de educação somática, cinética e energética para o praticante de artes marciais em qualquer momento ou etapa de sua formação, seja inicial, intermediária ou avançada. Nas próximas postagens da série, buscarei detalhar cada linha específica da versão de Tantui da FMKK, buscarei ilustrá-la melhor com imagens e vídeos, mas este será um processo lento e paulatino, como o trabalho que temos para frente ao longo deste ano.

Bibliografia:


FEDERAÇÃO MINEIRA DE KUNG FU KUOSHU. Sistema Básico de Kung Fu Kuoshu, Uberlândia: FMKK, 2016.

LIN Zhong Yuan. Do brado de Guowu, abre caminho Guoshu! [Wei Guowu Nahan! Ti Guoshu Kaidao! 为国武呐喊! 替国术开道!]. In: Chinese Kuo Shu Quartely, 1(1): 24-42, 1984.

MONTEIRO, Fabrício Pinto. História das Artes Marciais Chinesas. Tradição, memórias e modernidade, Uberlândia: Assis Editora, 2014.

4 comentários:

Unknown disse...

O que eu achei mais legal no artigo foi entender que o objetivo do sistema básico é uma etapa inicial da formação em artes marciais. O objetivo é o mesmo de um dos meus objetivos com cursos online, só muda o método.

Guilherme disse...

Obrigado, Jerônimo. Ainda estamos buscando um sistema básico "ideal", que não seja o "estilo da Federação", mas algo que abra caminhos para cada um ir buscar formações específicas, enriquecendo a experiência das artes marciais chinesas na nossa região.

Unknown disse...

Oi Guilherme!

Não nos conhecemos pois infelizmente não chegamos a treinar juntos. Treinei na Wushukuan de 2001 a 2003 e depois de 2004 a 2006, e entre essas passagens cheguei a treinar com o Sebastião logo que ele abriu a escola dele. Esse texto foi um grande presente pra mim, porque encontrei nele tudo o que quis saber e nunca consegui descobrir. Moro em SP há bastante tempo agora, e por algum tempo treinei Garra de Águia com o Sifu Dagoberto (Grã-mestra Lily Lau), e nunca sou direito explicar qual era o 'estilo' que treinei em MG. Foi muito bom descobrir mais sobre essa minha trajetória nas artes marciais e, embora eu esteja parada há algum tempo, o kung fu está sempre presente em minha vida. Obrigada pelo texto, vocês têm feito um trabalho fascinante, tanto em pesquisa quanto na transmissão das técnicas! Abraços à todos - Fabrício, Gustavo, Everton e Mestre Sheng. Xiè xiè!

Maíra Arcoverde.

Guilherme disse...

Presente foi esta sua mensagem, Maíra! De fato, há muita nebulosidade em torno das informações sobre o que se treinava na Wushukuan. Eu tenho começado a compreender, entender os limites com clareza e sem preconceitos e a respeitar o que é, sem me preocupar tanto com aquilo que não é. Há uma enorme diferença entre o "Zhong Wudao" e o Garra de Águia. O Garra de Águia é um estilo tradicional, familiar, transmitido linearmente de mestre para discípulo e muito denso na sua técnica e nos seus conteúdos culturais. O Zhong Wudao, para o Mestre Lin Zhong Yuan não era um estilo, mas uma forma de vivência das artes marciais, que pode se dar em qualquer contexto de estilo. O currículo do Mestre Sheng era/é um conteúdo possível para se iniciar nesta vivência. Obrigado!